O Paraíso e o anseio da alma



No coração de cada ser humano há um anseio por um lugar perfeito. É possível ver este anseio na procura constante e cada vez maior das famílias por um lugar melhor para se viver, uma casa com melhores acomodações, um carro mais confortável, uma cidade que possa oferecer uma melhor qualidade de vida e assim por diante. Não se pode negar que o sonho humano por uma cidade planejada, onde tudo funcione perfeitamente, reflete um anseio profundo da alma de um lugar perfeito que um dia foi perdido. A Bíblia fala deste lugar. 


Segundo o relato de Gênesis 2.4-17, ao criar o homem, Deus também plantou um jardim no Éden e ali o colocou para o cultivar e guardar. A palavra “jardim” (heb. גן gan) significa basicamente um lugar cercado, um pedaço de terra plantado e delimitado. Em Gênesis, o termo aponta para a região geográfica onde o jardim se situava, numa área próxima à foz dos rios Tigre e Eufrates. A Septuaginta (LXX), tradução grega do Antigo Testamento, traduz “jardim” como “paraíso” (paradeisos). De fato, a identificação do Jardim do Éden como um paraíso é adequada (Ap 2.7). Bruce Waltke retrata um pouco deste paraíso e do anseio humano por ele:

Paraiso: um lugar sem dor, sem sofrimento; um tempo em que o amor e a paz vicejam. O paraíso tem sido objeto das esperanças e dos sonhos de cada geração. No íntimo de cada pessoa que experimenta a dor, a injustiça ou a morte de um ente querido, há um anseio sofrido por um lugar onde não falte nada, a sede por um tempo de cura. Isso está arraigado à essência da humanidade: somos seres que não aceitam o mundo como ele é; algo em nosso instinto, em nossa consciência coletiva, nos diz que o mundo presente está fora de sintonia – tem de existir um tempo melhor, um lugar melhor (Waltke, 2016, p.279)

O Jardim do Éden, portanto, é muito mais que um lugar bonito e agradável. Geerhardus Vos diz que “o jardim é o ‘jardim de Deus’, não uma habitação do homem como tal em primeira instância; mas, especificamente um lugar de recepção do homem na comunhão com Deus em sua própria habitação” (2010, p.44). Os profetas dão força a esta interpretação quando se referem ao Éden como o “jardim do Senhor” (Is 51.3) e “jardim de Deus” (Ez 28.13). Portanto, o jardim pode ser visto como um lugar único, superior ao restante da criação, um lugar de perfeição em todos os sentidos, um lugar de trabalho e, acima de tudo, um lugar de perfeita comunhão com Deus.

Após a queda, o homem pecador perdeu a comunhão com o Deus santo, e isso significou a expulsão do Jardim do Éden e a separação da árvore da vida (Gn 3). Desde então, o homem vive afastado desta vida ideal, desgarrado, perdido, longe deste lugar perfeito de comunhão com o Criador. Assim, sem direção e incapaz, a humanidade tenta criar lugares “perfeitos”, mas sem sucesso. O homem segue edificando cidades, como fez Caim (Gn 4.17), mas estas estão longe, muito longe do Éden.

    Deus, porém, foi tão gracioso, que, durante a história da redenção, decidiu "plantar” lugares para que o homem tivesse comunhão com ele. O tabernáculo, por exemplo, é um lugar planejado por Deus para que o Israel tivesse comunhão com ele durante a peregrinação no deserto: “e me farão um santuário, para que eu possa habitar no meio deles (Êx 25.8). O templo construído por Salomão substituiu o tabernáculo e seguiu dando a ideia deste lugar perfeito de comunhão com Deus (2Cr 3-6). O fato de Deus habitar com Seu povo demonstra um ato de graça e redenção, apontando para a restauração do lugar perfeito de comunhão que fora perdido. O povo de Deus pôde experimentar um pouco desta comunhão nestes locais, comunhão esta que, por causa do pecado, só seria possível por meio dos sacrifícios e do sacerdócio, como demonstra Levítico. Na plenitude dos tempos, porém, Deus enviou seu Filho, o Cristo, aquele que se entregou como sacrifício perfeito e suficiente, por meio do qual a comunhão com Deus é plenamente restaurada (Gl 4.4; Hb 10.19-20). Agora já não há um lugar específico e único para o homem se encontrar e manter a comunhão com Deus - "nem neste monte, nem em Jerusalém" (Jo 4.23) - mas há uma pessoa específica e única por meio de quem a reconciliação com Deus é garantida, Jesus.

Estes lugares terrenos, portanto, foram temporários, por isso tiveram fim. Deus, contudo, não falhou! O propósito de Deus era de que estes fossem sombras de uma realidade infinitamente superior. O livro de Apocalipse apresenta uma visão do paraíso restaurado, um lugar onde Deus habita com o Seu povo (Ap 21.3), ali não há templo, porque Deus e o cordeiro são o templo (Ap 21.22), ali está a cidade perfeita em todos os sentidos (Ap 21.9-27), ali estão o rio da água da vida e a árvore da vida, um lugar sem qualquer maldição (Ap 22.1-5). O anseio que há no coração do homem por um lugar perfeito fala muito sobre a necessidade humana de voltar a “este lugar” de perfeita comunhão com Deus. Este lugar não pode ser construído por mãos humanas, só há um caminho para lá, Jesus, somente nele a sede pela comunhão com Deus pode ser saciada, só por Cristo o acesso ao “lugar perfeito” é garantido: “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas” (Ap 22.14).

Bibliografia

VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica do Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Alberto Almeida de Paula. São Paulo-SP. Cultura Cristã, 2010.

WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento: uma abordagem exegética, canônica e temática. São Paulo: Vida Nova, 2015.




Comentários

  1. Querido pastor e professor obrigado pela publicação deste conteúdo, pois será muito útil para o exercício de muitos ministérios. Graça e paz e que Deus te abençoe sempre.

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